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Carlos Roberto Ferreira Cabral substituiu Pelé numa semifinal de Libertadores, fez dobradinha com Ademir da Guia no Palmeiras e presenciou os primeiros passos de Zico no Flamengo. Mas, em meados da década de 1990, decidiu trocar os holofotes dos anos 1960 e 1970 por uma vida tranquila na pacata Jaguariúna - cidade do interior de São Paulo.
Natural de Santos, Cabralzinho queria se afastar do Alvinegro Praiano. Clube do coração que o lançou para o futebol e o contratou três vezes como técnico (em 91, 95 e 2001). Porém, não manteve um relacionamento amigável com o ex-jogador - pelo menos como este gostaria.
- As medalhas enferrujam, e a fama é efêmera. Três minutos depois, ela já não é mais a mesma. E, no dia seguinte, as pessoas não te conhecem mais. Após quatorze anos então, quem vai lembrar de mim? - indagou o técnico, de 64 anos, em alusão à campanha que levou o Peixe a ser vice-campeão brasileiro, em 1995.
Cabralzinho lamenta não ter vencido o Brasileirão daquele ano. Lembra da arbitragem confusa do ex-juiz Márcio Resende de Freitas. E acha que seu destino poderia ter sido outro em um país que fecha os olhos para quem chega em segundo lugar.
- Se o Santos fosse o campeão, a trajetória de todos seria outra. Principalmente, a minha. (Com o vice) não tive reconhecimento do clube. No início de 1996, fui à Vila Belmiro no dia do meu aniversário (em 2º de janeiro). Fiquei horas esperando alguém me chamar para uma conversa. E, quando estava saindo do estacionamento, fui parado pelo Clodoaldo para discutir algo que já estava acordado: a renovação de contrato. Achei que faltou respeito. Voltei para casa porque tinha marcado um jantar com a minha família e, no dia seguinte, o clube apresentou o Candinho - recordou o técnico, que havia assumido o time na quarta rodada e na penúltima colocação da competição.
Se serve de alento, Cabralzinho lembra do bem que fez ao Santos em sua terceira e última passagem como treinador. Os dois juniores que ele havia indicado para compor o elenco profissional - e sequer estavam selecionados para a disputa da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 2002 - encantaram o Brasil.
- A diretoria estranhou meu interesse pelo Robinho e pelo Diego. Eles nunca tinham treinado com o time de cima. O Robinho até pouco tempo não sabia quem era o Cabral. Mas alertado por um coordenador das divisões de base do Santos, eu vi, disfarçado, alguns treinos dos dois. O Abel Silva falava comigo: "Dá uma olhada no (time) juvenil. Tem um crioulinho que você vai gostar". Para você ver como são as coisas, o William, hoje no Avaí, era considerado melhor jogador do que os dois - disse o ex-atacante, que não teve seu nome registrado em uma placa alusiva ao bicampeonato da Libertadores e do Mundial (62 e 63) no hall dos elevadores da Vila Belmiro.
CABRALZINHO |
Nome: |
Carlos Roberto Ferreira Cabral |
Data de nascimento: |
02/01/1945 (64 anos) |
Local: |
Santos, SP |
Clubes como jogador: |
Santos, Bangu, Fluminense, Palmeiras e Flamengo |
Clubes como treinador |
Santa Helena (Goiás), São Bento (Sorocaba-SP), Al Rayam (Qatar), Al Shamal (Qatar), Al Qasisiyah (Arábia Saudita), Mogi Mirim (Mogi Mirim-SP), Portuguesa Santista, Atlético Paranaense (Curitiba-PR), Goiás, Santos, Zamalek Sporting Club (Egito) e Esperance (Tunísia) |
Cabralzinho & Cia. humilharam o Flamengo na final do Estadual de 1966
Ao mesmo tempo em se gaba de ter atuado ao lado de Zico na primeira apresentação deste pelo time principal do Flamengo (contra o São Paulo, no Morumbi, em 1971), Cabralzinho também experimentou momento de vilão rubro-negro. Ele defendia o Bangu no Campeonato Carioca de 1966, quando o alvirrubro superou o time da Gávea por 3 a 0 na final no Maracanã.
- O Bangu dividia naquela época o status de quinta força do Rio com o América. Estávamos em uma situação maravilhosa. Éramos líderes da competição e tínhamos vencido o Botafogo (3 a 0), o Vasco (3 a 0) e o Fluminense (3 a 1) no segundo turno. Se a partida não tivesse sido interrompida por causa de uma briga generalizada (NR: oito jogadores foram expulsos: cinco do Flamengo e três do Bangu), teríamos ganhado por um placar até mais elástico. Hoje vejo o Maracanã lotado com 60 mil torcedores e dou risadas. Nós jogamos para 155 mil pessoas naquele dia.
O último clube que ele treinou foi o Esperance, da Tunísia, até janeiro deste ano. E decidiu entregar o cargo por sentir que estava sendo traído pelo presidente do clube.
- Demitiram o preparador físico e o supervisor do time que eram meus companheiros. Passaram a contratar jogadores que eu não havia solicitado e dispensar aqueles atletas que eu gostava. Então, coloquei o meu emprego à disposição e voltei ao Brasil no início do ano. Mas fui campeão da Copa da Tunísia em julho do ano passado e entreguei a equipe em primeiro lugar na competição deste ano, com sete pontos de vantagem para o segundo colocado - contou.
Desde que voltou ao país, o técnico decidiu investir em um sonho antigo. Pretende criar uma academia de futebol nos moldes das que existem no exterior. Porém, está em fase de captação de recursos. Ele já conta com o apoio da prefeitura e de algumas universidades de Jaguariúna, mas ainda tem dúvidas se o empreendimento vai dar certo.
- O Brasil é muito imediatista. Nós nos desenvolvemos bastante dentro de campo, mas fora dele estamos na época da carochinha. Minha ideia é fazer algo parecido com o que vi no Qatar. Só que lá o projeto da academia de todos os esportes custou US$ 200 milhões (R$ 367 milhões) - comparou.
Para Cabralzinho, Ademir da Guia tinha mais classe que Pelé
Cabralzinho se emociona ao falar de Pelé, a quem teve a honra de substituir nas semifinais da Taça Libertadores de 1962. Passado meio século desde que se conheceram, os dois ainda mantêm vivos os laços afetivos.
- O Pelé e o Coutinho chegaram machucados da Copa do Mundo de 62 e não puderam enfrentar o Universidade Católica, do Chile. Então, eu e o Pagão entramos na equipe. Lembro que em 1961 participamos de um amistoso do Santos contra o Olímpico, de Santa Catarina. O Rei (do Futebol) fez cinco gols e eu três. Outro dia ele me fez uma visita surpresa. Trouxe uma leitoa e um (peixe) pacu para a gente comer no almoço. Ele é metido a pescador. Viu um lago perto da minha casa e disse que um dia vai voltar para pescar - afirmou.
Entretanto, em termos de categoria, Cabralzinho garante que nunca jogou com alguém tão habilidoso quanto Ademir da Guia.
- Eu já vi o Pelé, o Rivellino e outros craques darem canelada na bola. Mas isso nunca aconteceu com o Ademir da Guia. Desafio as pessoas a acharem um vídeo com uma matada de bola errada dele. Não é a toa que o apelido deste jogador era Divino. A bola chegava ao Ademir, murchava e pedia bênção. Ele ainda contrariava a todos porque não gostava de falar em campo. Entrava mudo e saía calado dos jogos - relembrou.
Fonte: Globo Esporte |