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O tempo é o grande personagem das crônicas do livro As Estações da Infância, de Amílcar Ferrão Pinto. Cada página, cada linha, bebe da fonte do lirismo que a memória, ao passar pelo coração, engendra.
Conta as peripécias da criança que o autor foi um dia. Tendo como cenário o Bairro do Marapé, refaz nas lembranças de épocas passadas, uma outra Santos.
"Minha experiência pessoal foi apenas a inspiração para criar aquele quadro mais amplo da memória geral. Aquela geração, que foi criança nos anos 40, 50, vai se reconhecer".
VISÃO DE CRIANÇA
No trem da vida, as estações da criança não obedeciam aos calendários. Eram as brincadeiras que marcavam a passagem do tempo a passagem da vida. "Em maio começava a época dos balões.Esetembro,dospiões".
As outras brincadeiras eram bolinha de gude, de espeto, de carrinho de rolemã."Tínhamos que saber confeccionar o próprio brinquedo. Quem não conseguia, ficava meio de lado".
Só o futebol nunca teve um tempo próprio porque estava presente em todos os tempos. "A gente jogava aos domingos, sem tempo de jogo. Era assim: tantos gols virava o lado do campo, tantos outros acabava, ou quando a bola caía na casa do português, ele pegava a faca e a furava", sorri.
Como o autor ressalta, as evocações são verdadeiras, o formato é ficcional. "Na minha poesia, passeio pelo passado da infância e da adolescência. Essa idéia de escrever em prosa sempre esteve presente", diz Amílcar, que já publicou quatro livros de poesias e é membro da Academia Santista de Letras.
LADRÕES MITOLÓGICOS
Santos, no Marapé dos anos 40, era diferente. Aliás, o mundo inteiro era diferente. "O ritmo era mais lento. O bairro era o centro de tudo".
Assim era a dinâmica da vida. Os acontecimentos chegavam pelo rádio, não faziam parte da vivência imediata. "O mundo exterior era bem distante", recorda.
Cada bairro tinha sua peculiaridade. Amílcar deixa claras as do seu Marapé, já no título das crônicas, que contemplam as ruas, as casas, os loucos, as assombrações e até os ladrões.
"Louco, de um modo carinhoso, todo bairro tinha um. Já os ladrões eram quase mitológicos, estavam distantes. Ladrões eram os que invadiam os quintais".
Indagado sobre se tem saudade desse tempo, responde simplesmente. "Tenho saudade", justificando com uma citação do escritor santista Nelson Salasar Marques, que abre a última crônica de seu livro: "Chão que se pisa em criança, é chão que se carrega pelo resto da vida". O livro As Estações da Infância pode ser encontrado na Realejo Livros/ Shopping Miramar (Av. Euclides da Cunha, 21) ou na Av. Marechal Deodoro, 2. O preço é de R$ 20,00.
Fonte: Jornal A Tribuna de Santos
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