Ele tem a fala mansa e pensa bastante antes de cada declaração. Sua palavra preferida é equilíbrio, termo que já virou uma marca registrada. Mas Tite às vezes mostra seu lado negro, como ele mesmo define. O treinador do Corinthians disse ser rancoroso e revelou um tom de vingança nesta entrevista exclusiva ao UOL Esporte. Falou ainda que apenas um atacante finaliza como Ronaldo e incorporou a obsessão alvinegra pela Libertadores.
A duas rodadas do fim do Brasileiro e atrás apenas do líder Fluminense, Tite transborda confiança no título. Mesmo que para isso apele para o “imprevisível”. “Às vezes o futebol te retribui em algum momento e penso que ele pode me retribuir agora pelo título brasileiro que perdi pelo Guarani [em 1986]. A bola dá e a bola tira.”
UOL Esporte - A mala branca é uma realidade no futebol, principalmente nesta reta final. Qual sua opinião sobre o tema?
Tite - Alguns assuntos não gosto de abordar. Não é puritanismo, não sou nenhum babaca, mas cada um escolhe o lado que gosta de colocar para fora. Tenho meu lado negro, meu lado rancoroso, meu lado do ódio. E tenho meu lado bom. Sei que o esporte de alto nível tem envolvimento financeiro e político, mas quero ficar à margem disso, quero fazer meu trabalho. Tenho minha responsabilidade e vou errar porque sou ser humano, mas não vou errar na ideia. Conduta pessoal não tem preço. Sei que existem coisas, sei que depende de cada um, mas quero seguir o caminho que entendo ser o melhor.
UOL Esporte - Você sempre se mostra um técnico muito paciente. Como é esse seu lado rancoroso?
Tite - Marco muito as pessoas que fazem a crítica em cima de uma informação errada. Se é uma crítica de ideia, se alguém não gosta do meu trabalho, dos meus treinos, tudo normal, é do jogo. Mas quando passam uma informação errada, isso vai ter volta. Um dia vou ter a oportunidade de confrontar uma informação errada. Pego a pedra e guardo aqui [mostra o bolso]. Não tenho a grandeza de sublimar. Não respondo na hora, mas no momento oportuno vou falar.
UOL Esporte - Sua confiança no título é grande. Em qual jogo o Fluminense tropeça?
Tite - São dois jogos e acredito na possibilidade de o Fluminense perder ponto, nossa chance está associada a isso. Fazendo nossa parte, temos condição de sermos campeões. É uma crença minha, um feeling que tenho.
UOL Esporte - São iguais as chances de Palmeiras e Guarani tirar pontos do Fluminense?
Tite - As pessoas e os clubes têm sua responsabilidade, sua dignidade. Não pré-julgo ninguém. Quero fazer meu trabalho bem feito e merecer o que vier ali na frente. O esporte me trouxe exemplos para acreditar nisso. Quando jogava no Guarani, enfrentamos o São Paulo na final [do Brasileiro de 1986] e vencíamos até os 13min do segundo tempo da prorrogação. Quando olhei para cima, pois estava indo para o vestiário, o Pita, que não cabeceava nada, ganhou de cabeça e a bola sobrou para o Careca. Ele empatou e o jogo foi para os pênaltis. Perdemos um título por dois minutos. Você me explica isso? O esporte não explica, ele proporciona isso. Por isso acredito no nosso trabalho.
UOL Esporte - Devido ao cenário favorável ao Fluminense, o Corinthians depende mais desse "fator inesperado"?
Tite - Se analisarmos só os dois jogos é uma coisa, mas esquecemos de olhar o conjunto da obra. A bola dá e a bola tira. Olhando o campeonato inteiro, daqui a pouco vai dar ali na frente um resultado o que não deu ali atrás. No futebol as variáveis são muito grandes, por isso da sua imprevisibilidade. Não quero que esse imprevisível seja conosco. Conosco é trabalho, é a decisão de domingo, é o Vasco que merece respeito, é o desempenho. Depois? Depois é outra etapa.
UOL Esporte - E a conquista da vaga na Libertadores, é um objetivo alcançado?
Tite - Depois que cheguei, fizemos seis jogos, ganhamos quatro e empatamos dois. Sabemos que é pouco o que estamos dando até agora, mas sei da responsabilidade que era conseguir essa vaga na Libertadores pelo segundo ano seguido. E conseguimos reverter um quadro bastante difícil de falta de confiança. O grupo se mobilizou e conseguiu a vaga. É pouco para o Corinthians e para nós, mas é importante. O título está aberto. Estávamos a cinco pontos da liderança, agora estamos a um. Um empate pode acontecer e é uma chance real.
UOL Esporte - Sobre o planejamento para 2011, o próprio Ronaldo indicou o nome do Adriano. O que dá para falar sobre ele?
Tite - Vocês não ouvir nada sobre ele da minha parte, porque hoje é o Dentinho, o Iarley, o Jorge Henrique. A coisa é muito grande nesse momento de disputa de título. Tenho muita vontade de ser campeão. Perdi o Brasileiro jogando pelo Guarani em 1986, classifiquei cinco times para a Libertadores, mas não tenho o título brasileiro ainda. E quero o título agora.
UOL Esporte - E a Libertadores de 2011?
Tite - Disputei cinco Libertadores: três como técnico, duas como atleta. Já cheguei à semifinal. É outro passo para preencher o currículo que imagino ser importante para um profissional. Já cheguei perto da Libertadores. É uma busca pessoal.
UOL Esporte - O que você espera do Ronaldo em 2011. Ele vai se esforçar mais em seu último ano?
Tite - Vou ser pretensioso e colocar o seguinte: o Ronaldo joga futebol porque ama o esporte, ama o futebol. Eu tinha essa imagem antes e agora tenho isso confirmado no dia a dia. Só quero que ele continue amando o futebol, pois vai fazer tudo o que é possível. É sua paixão, ele transpira isso.
UOL Esporte - O Ronaldo soube se adaptar nesse fim de carreira?
Tite - Ele mudou suas características pela inteligência que tem e pelas lesões que enfrentou. Ele continua sendo extremamente efetivo e diferenciado. Primeiro, porque tem a técnica de finalização impressionante. Só vi dois jogadores assim: Ronaldo e Romário. Trabalhei com o Ronaldinho Gaúcho e ele não tem a capacidade de finalizar desses dois. O Ronaldo mexe o pé e tira a bola do goleiro no último instante. É técnica e talento puro. Segundo, porque ele perdeu mobilidade e velocidade, mas sabe jogar de costas, como pivô, deixando os outros na cara do gol.
Fonte: Uol Esporte
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